Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” - 1
A 2ª Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” impetrado em face de decisão do STJ que determinara o afastamento do ora paciente de suas funções de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amapá, além do impedimento de sua entrada nas dependências da referida corte de contas, a proibição de utilização de veículos e de recebimento de vantagens decorrentes do efetivo exercício no cargo, como passagem aérea, diárias, ajuda de custo, telefone e quaisquer outros bens do tribunal, até a apreciação de denúncia oferecida em seu desfavor. O impetrante sustenta que: a) a decisão seria nula, visto que o afastamento por prazo indeterminado não teria sido requerido pelo Ministério Público; b) o afastamento do cargo se daria por prazo desproporcional, e, portanto, seria verdadeira antecipação de pena; c) a medida não seria necessária, tendo em conta a conclusão das investigações; e d) o ato coator seria baseado exclusivamente na gravidade do delito. O Ministro Gilmar Mendes (relator) concedeu a ordem para desconstituir a decisão do STJ no ponto em que fora determinado o afastamento do paciente do cargo, além de impostas outras medidas cautelares. Primeiramente, rejeitou questão preliminar relativa à suposta inadequação da via eleita em razão de não haver, no caso, ameaça à liberdade de locomoção do paciente. Afirmou que inexistiria divergência teórica quanto ao fato de o “habeas corpus” se destinar a proteger o indivíduo contra qualquer medida restritiva à liberdade de ir, vir e permanecer (CF, art. 5º, LXVIII). Ademais, a jurisprudência do STF seria prevalecente no sentido de que o aludido remédio constitucional teria como escopo a proteção da liberdade de locomoção. Seu cabimento teria parâmetros constitucionalmente estabelecidos, justificando-se a impetração sempre que alguém sofresse, ou se achasse ameaçado de sofrer, violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder. Porém, a despeito da força que essa interpretação teria assumido na sua jurisprudência, o STF, quando do julgamento do HC 90.617/PE (DJe de 7.3.2008), decidira reintegrar magistrado afastado do cargo por período além do razoável por força de decisão em processo criminal. Dada a configuração fática daquele caso — constrangimento ilegal decorrente de mora na prestação jurisdicional no âmbito processual penal; persistência do afastamento cautelar em razão do recebimento da denúncia pelo STJ; e afastamento do paciente por lapso temporal excessivo —, a ação de “habeas corpus” seria a via processual adequada para o pleito. Portanto, apesar das decisões em sentido contrário, se o afastamento imposto decorresse de decisão em processo penal ou investigação criminal, e houvesse dúvida quanto à justeza do tempo, seria cabível o “habeas corpus”, porquanto se trataria, na hipótese, de um tipo de restrição associada a processo criminal ou investigação criminal. Não se trataria, portanto, de usar o referido “writ” constitucional para outro objeto diferente daquilo que a Constituição preconizaria.
HC 121089/AP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-121089)
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” - 2
No mérito, o relator asseverou que o afastamento do paciente do cargo perduraria por mais de quatro anos, tendo-se iniciado em 10.9.2010, interrompido este período por apenas 31 dias. A acusação fora formalizada em 13.4.2012, sem que sua admissão tivesse sido analisada. Apesar da complexidade da investigação e da posterior acusação que levara ao afastamento, este último já perduraria além do aceitável. No referido precedente — HC 90.617/PE —, consignara-se que o prazo de dois anos, para além do qual o STF teria dado por configurado “excesso de prazo gritante” para prisões, poderia ser transportado para as medidas cautelares de afastamento de cargo ou de função pública. No caso em análise, mesmo que descontada a fase de investigação, o referido prazo estaria ultrapassado. Há mais de dois anos teria sido superada a fase de acusação e resposta na ação penal, a pender a análise da admissibilidade da acusação, e nada indicaria demora imputável à defesa. Além disso, não haveria sequer sinalização de data para julgamento pelo STJ. Ou seja, existiria justo receio de que a medida tendesse a se tornar perene. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
HC 121089/AP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-121089)
Decisão publicada no Informativo 770 do STF - 2014
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